História Original ? ... A Lenda...
A Pedra dos Ovos
Numa fazenda, para os lados de Vila
Velha, sentado num tamborete, na varanda da casa-grande, o africano
setuagenário, contador de histórias, no recreio seguinte à ceia daquele
tempo, relatava a coletânea dos seus conhecimentos lendários, aos
sinhozinhos atentos: - O Muxuara, o Jucutuquara, a Penha, o Penedo...
Ah, sim, o Penedo continuava, na
dianteira, como centro de interesse, para as narrativas que estreavam a
realidade do Presente ao mistério envolto na poesia do Passado,
Avultava, de fato, qual repositório supremo dos registros lendários da
promissora Vila de Vitória.
Segundo aquela enciclopédia viva da
tradição, que recolhera dos seus antepassados, certa vez, uma nau, vinda
de longe, muito longe, fundeara, ao sudoeste do rochedo, e surpreendera
uma tribo, ali acampada, cujos, maiores, com o apuro da visão,
procuravam, horrorizados e impressionados, desvendar-lhe as intenções.
Descem os escalares e se aproximam da
taba. Aparentemente pacíficos, os brancos, mediante presentes e agrados,
tentam conquistar a simpatia dos selvagens, enquanto as mulheres
íncolas, de singular beleza, apurada na força da raça, em pleno sol
tropical e no hausto puro da natureza, impressionavam os marujos e
aventureiros. Trava-se, por isso, verdadeira batalha de paixões, entre
os olhares luxuriosos dos ádvenas e das índias simples e confiantes, ao
passo que os guerreiros autóctones empenham suas armas, para a
impreterível defesa de seus lares, e os novos espreitam as atitudes de
suas prometidas.
Sem qualquer explicação para a demora
imprevista, porque, faltando, na terra, o ouro ambicionado, deveria logo
ter levantado ferros e velejado para outras paragens, no Sul, a
embarcação, entretanto, permanece ancorada.
Desapareceu, porém, um escaler...
- Por quê?
Atraídos pelos encantos de uma jovem
goitacá, noiva que, segundo o ritual de seus pajés, aguardava o dia
festivo das bodas, um dos nautas, jeitosamente, roubara-lhe o coração,
raptara-a, indiferente aos afetos puros, recamados, no coração do noivo.
Soou a inúbia.
Alanceado na profundeza do seu amor, o
índio, desesperado e indômito, entra numa ígara e faz-se ao mar. Alcança
os fugitivos que, ao largo, esperavam a nau, conforme entendimento com a
equipagem. Arrebata a noiva e atravessa-lhe o coração, numa setada
infalível! Atira o cadáver ao mar. E, furioso, incontido, agita os
remos, de volta ao sítio de seu amor. Galga o Penedo, em cujo cimo,
volta-se para o oceano e estende os punhos cerrados à nau, que se
perdera além, no horizonte. Numa imprecação atávica, atira-lhe terrível
sentença. Prepara-se para despenhar-se, na encosta, e perder-se, nas
águas! Ribomba, porém, um trovão e o ziguezaguear de um raio decepa a
calota do penhasco...
Terror!... Silêncio!...
Uma força enigmática afasta o íncola da
morte, enquanto voz misteriosa o aconselha: “Deixa o suicídio aos
covardes: não destruas a vida, que não criaste! Cometeste um crime. Vai
para o norte, proteger teus irmãos, que os brancos tentam escravizar. O
túmulo de tua noiva será assinalado, com a pedra recém-talhada”.
Silêncio!
Num olhar pasmado, a vagar em torno, o
jovem percebe que as ondas haviam trazido o corpo inerte de sua Jaci,
para o mesmo sítio em que, nas pescarias da infância, desabrochara o
idílio, para a adolescência. Boiava, à mercê das vagas, aquela escultura
da Beleza, ressaltada, pelo reflexo da lua, no espelho das águas!
Libertos, semelhantes à auréola que ele via, no astro da noite, o cabelo
era lindo ainda: recordava-lhe o tempo em que, de mãos dadas, ele e ela
corriam felizes, atrás de uma corsa ou das siriemas, em bandos.
Mãos invisíveis afastaram o selvagem
estarrecido, Apoderaram-se da pedra: lançaram-na ao ponto onde jazia o
pedestal em que se transformara o cadáver da índia, enquanto a voz
continuava: - “Se, algum dia, mãos profanas derrubarem aquela pedra do
seu pedestal, esta região, berço do amor dilacerado, fender-se-á, num
tremor pavoroso, para sumir-se, devorada pelas entranhas do oceano”.
Silêncio, mais profundo ainda!
Aturdido, o goitacá ergueu a fronte
altiva, olhou em torno, pesquisou o septentrião e, com o passo firme,
resoluto, rompeu planície e galgou outeiros, andou... andou... até
desaparecer além...
Esse o motivo por que, símbolo de um
coração petrificado, consolidado no pedestal do amor, a Pedra dos Ovos
resiste incólume, aos embates das vagas e ao vaivém das marés.
Fonte: A Mulher na História do Espírito Santo (História e Folclore), 1999
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2012
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2012
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